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O direito desconexo no Direito Brasileiro



07/12/2022




Neste artigo, o especialista Jorge Matsumoto discute sobre o avanço da tecnologia e seus impactos no cotidiano de demandas dos profissionais. 07/12/2022 17:00:012,6 mil acessos O direito à desconexão no Direito BrasileiroFo Kindel Media/Pexels Com o avanço da tecnologia no ambiente de trabalho, houve o aumento significativo do ritmo e a forma de trabalhar, com a implementação de novas ferramentas de trabalho- desenvolvimento tecnológico, a exemplo dos celulares, notebooks, e-mails, plataformas digitais (WhatsApp, Zoom Meetings, Microsoft Teams, Skype, Google Hangouts), nascendo novos padrões de organização laboral, incluindo a fiscalização patronal, em especial no trabalho intelectual e administrativo. Este novo cenário, dotado de mudanças culturais e comportamentais, veio à tona com a pandemia Covid-19 e a necessidade de isolamento social, com a adoção do teletrabalho e home office. A nova estrutura de trabalho, na qual há uma maior disponibilidade do empregado ao empregador por meio das ferramentas tecnológicas, necessita ser analisada e adaptada à legislação trabalhista, observando-se os princípios do Direito do Trabalho, havendo, portanto, a necessidade da imposição de limites entre a vida profissional e pessoal. É neste momento que surge o direito à desconexão. O direito à desconexão, positivado no Direito Francês em 2016, nada mais é do que o direito do trabalhador em se desconectar do seu labor, desvencilhando-se das suas tarefas profissionais, aproveitando o seu momento de descanso e lazer- é o verdadeiro tempo livre. No Direito Brasileiro não há um regramento específico sobre o direito à desconexão. No entanto, há normas que regulamentam a jornada de trabalho e a sua limitação com a imposição de descansos, a exemplo dos artigos 66 e 71 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que dispõem sobre os intervalos interjornada e intrajornada, períodos de descanso, respectivamente; os Capítulos II e IV da CLT que tratam da duração do trabalho e das férias; o artigo 7º da Constituição Federal, em especial os incisos XIII (duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais) e XV (repouso semanal remunerado). Outra regulamentação que merece destaque é a atinente ao teletrabalho elencada no Capítulo II-A da CLT, incluída pela Lei nº 13.467 de 2017 e atualizada pela Lei nº 14.442 de 2022. A referida norma legal considera teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo. O artigo 75-B, parágrafo 5º, da CLT, incluído pela Lei nº 14.442/2022, dispõe que o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, bem como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição ou regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Contudo, surgem dúvidas: e se a utilização dessas ferramentas ocorrerem em razão do trabalho? Estaria o trabalhador à disposição do empregador, em regime de sobreaviso previsto no artigo 244, § 2º, da CLT e Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho? Neste cenário, depreende-se que, apesar de certas inovações no Direito Brasileiro quanto ao direito à desconexão, há aspectos que demandam aperfeiçoamentos e adequação à legislação vigente, tornando-se árduo o trabalho dos operadores do direito, dos Tribunais e órgãos públicos. No Brasil, como mencionado anteriormente, não há normas específicas e diretas quanto ao direito à desconexão. Há um Projeto de Lei nº. 4044 de 2020 que está em trâmite no Senado Federal, com previsão de alteração e acréscimo de parágrafos e artigos na CLT, visando regulamentar a matéria da desconexão, impondo limites quanto à utilização das ferramentas tecnológicas no momento de descanso do empregado (férias, intervalos), alterando, ainda, o conceito de sobreaviso sob a nova perspectiva de meios tecnológicos no ambiente de trabalho: o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso. Em destaque quanto ao tema, citamos a Nota Técnica 17/2020 emitida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no período da pandemia da Covid-19, traçando diretrizes a serem observadas nas relações de trabalho por empresas, sindicatos e órgãos da Administração Pública, a fim de garantir a proteção de trabalhadores no trabalho remoto ou home office. O MPT orienta os empregadores a respeitarem a jornada contratual na modalidade de teletrabalho e em plataformas virtuais e defende medidas para assegurar as pausas legais e o direito à desconexão. Pontua-se, ainda, a Recomendação nº. 184 da OIT que dispõe acerca do trabalho em domicílio, estabelecendo que o prazo fixado para terminar um trabalho não deverá privar o trabalhador em domicílio da possibilidade de desfrutar de tempos de descanso, diário e semanal, semelhante ao que tem os outros trabalhadores. A legislação nacional deverá fixar as condições em que os trabalhadores em domicílio deverão desfrutar dos feriados remunerados, férias anuais remuneradas e licenças para tratamento da saúde sem prejuízo da remuneração, como os demais trabalhadores. A jurisprudência, adaptando o instituto da desconexão às normas legais e princípios vigentes, vem se posicionando a respeito do tema, com entendimentos diversos nos Tribunais. Como exemplo, citamos o acórdão emitido pela 7ª Turma do TRT da 3ª Região (MG) no Processo nº. 0010189-79.2021.5.03.0135, mantendo a sentença de primeiro grau que condenou a empresa ao pagamento de horas de sobreaviso. Entenderam os Desembargadores que ainda que o trabalhador escalado para o plantão possa ser contatado por aparelho celular, a possibilidade de acionamento exclui a plena desconexão do trabalho e a oportunidade de livre deslocamento. Não há mais a exigência de que o empregado permaneça aguardando o chamado na própria residência para a caracterização do sobreaviso, bastando a possibilidade de convocação para o labor, no período de descanso, por meio de instrumento telemático ou informatizado. Em sentido contrário, destacamos o acórdão expresso pela 2ª Turma do TRT da 2ª Região (SP) no Processo nº. 1000561-10.2020.5.02.0039, no qual foi indeferido o pleito autoral de percebimento de indenização por danos morais (dano existencial), sob o fundamento de que o fato de laborar em sobrejornada ou estar à disposição do empregador não são suficientes para configurar o dano moral pretendido, sendo necessária a demonstração do comprometimento da integridade física e emocional do trabalhador com as atitudes da empregadora que lhe causassem prejuízo ao direito à desconexão. Em uma pesquisa realizada no Sistema da empresa de Jurimetria Data Lawyer Insights com a expressão "direito à desconexão", foi localizada uma média de 20 mil processos ativos em que o assunto aparece. As comarcas que apresentaram o maior número de processos ativos relacionados ao direito à desconexão foram São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Considerando a quantidade de processos distribuídos, a expressão foi localizada no ano de 2018 em 1.380 processos, 2019 em 2.299 processos, 2020 em 2.654 processos, 2021 em 3.416 processos e no ano de 2022 em 2.624 processos. Depreende-se que houve um aumento significativo nos primeiros anos da Pandemia Covid-19, elevação esta oriunda da adoção do teletrabalho e home office pelas empresas neste período. Outra busca relevante, efetuada no Data Lawyer Insights, é a por atividade econômica. A expressão "direito à desconexão" foi localizada em maior quantidade em processos envolvendo atividades do transporte rodoviário, bancos e fabricação de automóveis e utilitários. Diante de todo este cenário inovador e em constantes modificações, as empresas devem ficar atentas aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais e aos entendimentos jurisprudenciais quanto à limitação da jornada de trabalho, ao direito de folgas e pausas, prezando pela saúde física e mental de seus colaboradores. Isto porque, o desrespeito ao direito à desconexão pelo empregador pode ocasionar ao empregado diversos problemas de saúde, provenientes de uma jornada exaustiva, desencadeando, inclusive, doença e acidente de trabalho em decorrência desse labor excessivo e sem desconexão. Para tanto, a empresa, a fim de evitar e/ou reduzir tais riscos comprometedores à saúde de seus colaboradores, deve investir em programas como PPRA e PCMSO, com a participação ativa da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) zelando pela implementação e monitoramento de medidas de saúde e segurança do trabalho. Como disposto na NR 5, a CIPA tem dentre as suas atribuições: Acompanhamento do processo de identificação de perigos e avaliação de riscos; O registro da percepção dos riscos dos trabalhadores por meio do mapa de risco ou outra técnica ou ferramenta apropriada à sua escolha; A verificação dos ambientes e das condições de trabalho visando identificar situações que possam trazer riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores; A elaboração e acompanhamento plano de trabalho que possibilite a ação preventiva em segurança e saúde no trabalho; O acompanhamento da análise dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho e propondo, quando for o caso, medidas para a solução dos problemas identificados. Do contrário, em caso de não observância da desconexão, o empregador ficará suscetível à rotatividade de funcionários, desmotivação e absenteísmo de seus colaboradores, ao ajuizamento de ações trabalhistas contra ele, nas quais o trabalhador poderá pleitear, além das horas extras, indenizações por danos morais, dano existencial (proveniente da jornada excessiva, limitação na vida social) e, em casos mais graves, indenizações decorrentes de acidente de trabalho- acidente típico e doença. Além disso, a empresa também será alvo de fiscalizações por parte dos auditores fiscais e Ministério Público do Trabalho (MPT). Em relação ao MPT, além da fiscalização, a instituição tem como missão a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis no âmbito das relações de trabalho. Assim, caso o empregador não respeite o direito à desconexão de uma classe de trabalhadores, poderá integrar o polo passivo de uma ação civil pública na Justiça do Trabalho, com pedido de dano moral coletivo, dano este fixado de acordo com a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo e a verificação da reincidência. A indenização por dano moral coletivo possui dupla função, cujo objetivo está na promoção da satisfação da coletividade e também na prevenção da ocorrência de novas ações danosas. Neste sentido é a jurisprudência dos Tribunais, verbis: RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. A fixação da indenização por danos morais coletivos, em atenção à inteligência do art. 944, do Código Civil, deve ser realizada com cautela pelo Poder Judiciário que, à luz dos elementos probatórios, e considerando parâmetros como razoabilidade e proporcionalidade, gravidade/extensão da lesão, caráter pedagógico e punitivo da medida e capacidade econômica de quem praticou o ilícito, deve arbitrar montante adequado e suficiente à reparação do dano causado ao patrimônio imaterial da coletividade. Na espécie, considerando a natureza limitada do dano extrapatrimonial ensejado à coletividade pela conduta da acionada, assim como a reduzida gravidade da lesão causada aos trabalhadores prejudicados, que não se afigura apta a ensejar verdadeiro clamor no seio da sociedade, entendo que o montante fixado em primeiro grau de jurisdição encontra-se adequado à reparação perseguida. Recurso improvido. (PROC. N.º TRT- 0001004-16.2018.5.06.0013-RO; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relatora: Desembargadora Gisane Barbosa de Araújo; Data de Publicação: DEJT 25/02/2022) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. INTERPOSIÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DANO MORAL COLETIVO - OFENSA ÀS NORMAS DE HIGIENE, SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO - CONFIGURAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso de revista despido dos pressupostos de cabimento. Agravo desprovido . RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE (MPT). INTERPOSIÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DANO MORAL COLETIVO - VALOR DA INDENIZAÇÃO . (violação ao art. 944 do Código Civil de divergência jurisprudência) A jurisprudência do TST se consolidou no sentido de não ser possível, nesta instância extraordinária, a majoração ou minoração do montante atribuído à indenização por danos morais, quando o valor arbitrado não for ínfimo ou exorbitante, de modo a se mostrar patente a discrepância, considerando a gravidade da culpa e do dano, tornando, por consequência, injusto para uma das partes do processo. Assim, constatando-se que a fixação do valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não se afigura irrisório, visto que o acórdão recorrido levou em consideração os requisitos para determinar o dano moral coletivo, tais como, caráter pedagógico e punitivo da sanção, o porte econômico da empresa, a proporcionalidade e a razoabilidade com o dano causado, assim como a sua extensão. Assinale-se que, em se tratando de dano à coletividade, a quantificação do valor que visa não apenas punir a empresa pelo descumprimento do ordenamento jurídico trabalhista, minimizando o dano provocado, mas também objetiva instruir a reclamada a não reincidir na prática lesiva (caráter pedagógico), servido também como exemplo para as demais empresas que atuam no mercado. E mais, a sua fixação deve-se pautar na lógica do razoável, a fim de se evitar valores extremos (ínfimos ou vultosos). O juiz tem, portanto, liberdade para fixar o quantum , à luz do disposto no artigo 944 do Código Civil. Na hipótese dos autos, o TRT expôs, explicitamente, os parâmetros utilizados: "(...) para a quantificação da indenização por dano moral, levo em conta a extensão do dano à coletividade, sua natureza em desrespeitar normas trabalhistas, sua gravidade à saúde e à vida dos trabalhadores da construtora, inclusive com duas mortes, a repercussão da ofensa no seio da sociedade, mas também a situação econômica do ofensor, que se trata de uma construtora de grande porte, com vários empreendimentos imobiliários, o grau de culpa presente na conduta da recorrida, já analisado, a intensidade e as dimensões do efeito negativo do dano infligido à coletividade, para arbitrar o valor da indenização por dano moral coletivo em R$ 100.000,00 (cem mil reais)" . Recurso de revista não conhecido. (...)" (ARR-746-72.2012.5.11.0014, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 24/09/2021). Grifamos Não menos importante destacar que a privação ao direito à desconexão de maneira excessiva poderá resultar em trabalho em situação análoga à de escravidão, que atenta contra a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional previsto no artigo 1º, III, da CRFB, sujeitando a empresa ao Cadastro de Empregadores - Lista Suja. Com a inclusão da empresa nesta lista, além de ficar exposta à sociedade e sofrer fiscalizações reiteradas pelos órgãos e instituições públicas, perde o acesso a financiamentos em bancos públicos, como no BNDES, e em bancos privados sofre avaliação de risco de crédito. Pelo exposto, é de extrema importância que o empregador observe a legislação e entendimentos dos Tribunais acerca do direito à desconexão, garantindo aos seus colaboradores momentos de descanso, lazer e convívio familiar, evitando jornadas excessivas através da adoção de medidas como, por exemplo, a delimitação das tarefas, investimentos em treinamentos e em tecnologia que otimize o tempo, incentivo ao cuidado à saúde mental. Em consequência, o trabalhador certamente produzirá mais em suas atividades laborativas, contribuindo para a produtividade e fortalecimento da empresa. Com a coautoria de Roberta Maciel Guimarães Fonte: Portal Contábeis



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